A Rota e o vento Nordestão
A
bordo o que não faltavam eram GPS com rotas plotadas. Seguimos a rota sugerida
pelo amigo Nelson do Avoante, saindo do Salvador costeando até o farol de
Itapoã e abrindo um pouco mais. Mas, o que não esperávamos era um vento
nordestão, de cara, complicando a navegação à vela, então motoramos um bom
tempo pra içarmos as velas mais adiante. Pelo o que consta nas cartas piloto da
Marinha, deveríamos pegar ventos leste ou sueste para essa época, mas o tempo é
quem manda, e resolveu mandar o nordestão na proa. Quando estávamos já na
altura da costa de Sergipe, o vento ficou mais ENE (lés-nordeste), aí içamos as
velas. Demos um bordo pra dentro do Mar na altura do Velho Chico, abrindo umas
25 milhas da costa, mas deu negativo, e quase voltamos pra boca do Velho Chico.
Chegando
na altura da costa de Alagoas, conseguimos botar o balão, belíssimo parasail,
conhecido como “sutiã” pela tripulação. Mas as lufadas de vento não deixaram o
balão trabalhar como devia e não o usamos por muito tempo. Botamos a grande com
a trinqueta e a genoa, e depois vimos que a trinqueta não tava ajudando muito,
e fomos somente com grande e genoa. Quando chegamos próximo a Recife na
madrugada do dia 06/09 o vento já tava bem na alheta e pegamos vento de 27 nós
com chuva. Fomos só na grande surfando nas ondas. E aproveitei para tomar um
banho de chuva na proa, num frio lascado, mas era a despedida...
Próximo
ao banco do inglês arriamos a grande e adentramos no canal do porto do Recife
motorando já na barra do dia, debaixo de chuva e frio...E foi batendo uma
tristeza de chegar ao destino, pois o Mar ficara pra trás...
A faina a bordo
Içar,
rizar, arriar, corre pra lá e pra cá, essa era a rotina. E, em meio a isso
tudo, contemplar o Mar. Um barco desse porte dá bastante trabalho pra marujada,
ainda mais quando aparecem uns probleminhas como o carrinho da genoa de boreste
que estourou, a testa da grande que enroscava na hora de içar, o rizo que
travava. E nessas horas, o comandante vendo aquilo tudo gritava de lá: “olha
pra mim, porra!”...kkkk
Os
turnos
Estávamos
em sete. Liberamos o comandante dos turnos, mas na verdade ele era o cara que
fazia plantão 24 horas, pois se desse qualquer problema, era acionado. Então
dividimos os turnos de 2 em 2 horas, tendo sempre dois tripulantes a postos.
Mas, nem sempre fizemos os turnos com a pontualidade britânica. Meu turno
geralmente começava às 02 horas da madrugada, deveria ir até às 04. Mas, como o
Sol já iria nascer dentro de pouco tempo, eu já emendava para poder curtir a
Alvorada.
O marinheiro revelação
Artur,
tem nome de rei, e se tornou um rei dos mares nessa viagem inaugural. Nunca
havia velejado no Mar, e tava com medo de marear. Mas provou que marear é pros
fracos, quem é do mar não enjoa (pelo menos é o que diz a canção). Bom, sabemos
que não é bem assim, o enjôo pode pegar até os velhos lobos do Mar, depende da
situação do organismo. Mas, Artur se mostrou ser um marujo valente, disposto e
versátil, e mereceu um troféu do comandante, uma bela camisa do Tranquilidade.
Baleias e Golfinhos
Toda
hora chegavam feito meninos brincando na proa. Eram os golfinhos, que vinham
dando piruetas de longe, e ficavam brincando ali na proa por vários minutos e
iam embora. Deviam estar zombando de nossas caras, pois ficávamos como meninos
empolgados ao vê-los chegando.
As
Jubartes também deram sinal de vida, eram muitas, não vieram próximo ao barco,
deviam estar com pressa de ir pra Abrolhos.
Mergulho na imensidão azul
Na
carta estava lá marcada a profundidade de 2720 metros. E, foi ali mesmo que
decidimos dar uns mergulhos para refrescar e nadar com os golfinhos. Mas, eles
não estavam querendo aproximação e se mandaram. A sensação de estar nadando em
águas tão profundas é uma mistura de contentamento com desconfiança. E se
viesse um tubarão das profundezas?!!!
A gastronomia
Fartura.
O comandante preparava todo dia um café da manhã de lascar: cuscuz com leite,
ovos fritos, pães, tapioca, macaxeira, nhame, presunto, queijo coalho assado,
banana frita, café, leite, sucos, abacaxi. Era coisa demais, e ele dizia:
“comam, que é pra dar conta da faina”.
No
almoço, que saía bem mais tarde, às vezes quase à noite, era o mesmo capricho:
feijoada, risoto, macarrão, pizzas, lombo ao molho barbecue e costelas, peixe e
por aí vai.....DEZ!
O sextante
O sextante
Levei
uma mochila com sextante, tábuas de navegação, almanaque náutico, compasso, e
demais parafernálias para praticar a navegação astronômica. Como a faina era
constante, não tive tempo para fazer todos os cálculos a bordo em todas as
visadas que fiz. Mas, obtive um resultado muito bom na passagem meridiana do
Sol com diferença de apenas 4 milhas de latitude em relação ao GPS. Fiz várias
visadas do Sol, da Lua e das estrelas. Vou apresentar os resultados em outros textos
aqui no blog.
A chegada
Chegamos
na entrada do Porto do Recife na madrugada do dia 06/09/14 debaixo de chuva e
frio. Ficamos um tempo procurando as bóias de sinalização do banco do inglês e
da entrada do canal, pois as luzes se misturam com as da cidade. Mas, chegando
mais perto tudo se resolve. Entramos no canal do Porto na vazante, mas o
Tranquilidade cala bem, sem problemas. Chegamos ao Cabanga, e já era hora
de partir, se despedir do barco e dos amigos, e principalmente do Mar, que nos
acolheu tão amistosamente. E era hora de voltar pra Terra, botar os pés no chão.
Quando
cheguei em Brasília, demorei pra voltar do Mar. No dia seguinte, acordei e
senti uma profunda saudade daquela imensidão azul, que por poucos dias havia se
tornado minha morada e meu chão.
Caramba Mucuripe, lendo seu texto deu mais saudade ainda, foi uma travessia realmente espetacular!! abç wilson
ResponderExcluirValeu meu amigo, grande abraço e até a próxima, se Deus quiser!
ExcluirCaro Mucuripe. Ferias e bom mas quando se chega redobra os trabalhos e apenas hoje estou lendo esta maravilhosa narração. Parabens a todos e sempre serão muito bem vindos a bordo do Tranquilidade. Forte abraco em todos. Comandante Flavio.
ResponderExcluirGrande cmte Flávio,
ExcluirEssa navegada vai ficar pra história! Muito obrigado por sua amizade e por ter proporcionado a todos momentos de muita felicidade e descontração.
Grande abraço e Bons Ventos. Que possamos nos reencontrar em breve.
Mucuripe.