Há um tempo
atrás meu irmão Otoniel me enviou uma foto lá do “sertão”; era como chamávamos
a fazenda de nossa vó naninha. Se não me engano o nome da fazenda era Cedro,
mas toda a família chamava de Sertão.
Boa parte de
nossa infância foi lá, as melhores recordações de quando era menino me remetem
ao Sertão. Era uma fazenda muito grande, de mais de
500 hectares , com 03
açudes, o preferido era a lagoa que chamávamos de parede, por causa da pequena barragem.
Na parede
íamos tomar banho, pescar, e lembro que era um lugar onde tinha muita cobra. Às
vezes estávamos nadando e elas passavam por nós.
Acho que se
começar a lembrar de tudo, dá pra escrever um livro. Lembro que acordávamos bem
cedo, ainda escuro, e íamos pro curral tomar leite de vaca, com a caneca de
alumínio cheia de açúcar. Depois íamos pro chiqueiro dos bodes pra soltá-los
pra pastar na caatinga.
Lembro do “pé
torto”, um jumento já cansado, que minha vó me deu, pois já não tinha
serventia. Ele só andava depois que comia uma bacia de milho, que eu pegava
escondido de minha vó. E acabou que o coitado veio a falecer um certo dia
depois que dei várias bacias de milho, só pra ver o tanto que ele comia. Me
disseram que morreu empanzinado.
Tempos
depois, ganhei de minha vó uma ovelha prenha, com o trato de que a partir
daquele dia eu iria levar as ovelhas pro pasto e buscá-las ao entardecer.
Fiquei muito orgulhoso disso, e ia com as ovelhas feliz da vida. Pouco tempo
depois de nascer o burrego, vim embora pra Brasília e abandonei minha criação
de ovinos.
Gostava muito
de ouvir as histórias de assombração do seu Quincas, que contava mascando fumo
e cuspindo de instante em
instante. Ele dizia que aquela cusparada de fumo mascado
matava até sapo.
Recordo das
malvadezas do meu primo Joaquim. Gostava muito de nos enganar. Certa vez, fez
com que acreditássemos que o caipora andava por ali, e tínhamos que todo dia
colocar um pedaço de fumo em algum pé de cerca para agradá-lo. E, é verdade que
os fumos sempre sumiam. Até que um dia minha vó descobriu que eu andava com um
pedaço de fumo no calção, aí a coisa ficou feia pro nosso lado e pro meu primo.
Levei uns puxões de orelha por ter caído na conversa do Joaquim, e depois
ficamos sabendo que ele mandava um peão nos seguir pra ver onde deixávamos os
pedaços de fumo pro caipora.
O Joaquim não
tinha mesmo o juízo muito certo. Inventou de criar uma jibóia e a colocou
dentro de uma armação com tela. E, sempre íamos caçar Tiú pra que ela se
alimentasse. Fugiu três vezes do gaiolão, e na terceira vez, sumiu pra sempre.
O Sertão era
o lugar de encontro de toda família, primos, tios, era muita gente. Armávamos
várias redes no alpendre da casa nova, a gente só dormia em rede como bons
cearenses. No Sertão tinha a casa nova e a velha, uma casa muito antiga, não
tinha luz, era só no candeeiro, tinha uns dez quartos, e as cobras viviam
passeando pela casa atrás dos ratos do mato e dos ninhos de passarinhos.
A frase de
Guimarães Rosa que diz que “o sertão é do tamanho do mundo” retrata bem o que
eu sentia em relação ao nosso Sertão. A vida ali não tinha fim, e todo o resto
era pequeno diante daquele mundão.
Parabéns, muito bem escrito. Difícil eu ler um texto que contenha mais do que três linhas na tela do computador, mas li este todo e fluiu muito bem, pela qualidade da escrita.
ResponderExcluirA imagem a ele associada é que não compartilhou com a imagem que meu celebro criava, a medida que eu ia lendo o texto.
Abçs Luiz Regulus.
Luiz, essa foto é lá da lagoa, da "parede". O Sertão foi vendido há muitos anos. Houve uma grande comoção na família. A casa velha já não existe, muita coisa só ficou mesmo na lembrança.
ResponderExcluirGrande abraço!
história de vida, muito bacana. Coisa que pessoas como eu nascido e criado em Brasília, só vivenciei através dos contos dos meus país e dos meus avós. Felizes os que puderam ter uma experiência dessa como a sua.
ResponderExcluirAbraço Capitão Mucuripe.
CARLOS ANDRÉ (Clube Naval)
Valeu, Carlos!
ExcluirGrande abraço!