segunda-feira, 7 de setembro de 2015

UMA CONVERSA COM CHRISTINA AMARAL, VELEJADORA E SKIPPER.


Ela nasceu pro Mar, onde vive, trabalha, e se encanta a cada dia mais com tudo o que o Mar lhe proporciona.
Tive o prazer de conhecer recentemente essa grande velejadora, Capitã e Skipper, Christina Amaral, que me deu a honra dessa entrevista.  Entre um charter e outro concluímos esse bate-papo:

Quando e onde foi seu primeiro contato com a vela?
Em 1996 , Belo horizonte,  na lagoa dos ingleses.

Qual modelo do seu barco?
Atoll 22 pés

Você mora no barco há quanto tempo?
Há quase 16 anos.

Como você planejou morar em um barco? Como foi esse processo?
Morar a bordo não foi bem um plano, foi um sonho.
Eu ganhei um projeto de um barco de 24 pés, iria construir o barco e depois ir para o mar, mas lendo os artigos em revistas de gente que construía barco, vi que precisava visitar essas pessoas e conhecer a realidade, foi uma paixão e um choque ao mesmo tempo,  porque ver o barco construindo é muito lindo mas o tempo que isso levava era crucial, eu queria velejar e morar a bordo logo, e havia pessoas que demoravam até 10 anos para terminar um barco.
Então comecei com a parte prática, cursos de básico de elétrica, mecânica e primeiros socorros na cruz vermelha, já era habilitada e velejava na lagoa dos ingleses em BH.
Um dia eu fui convidada por um amigo a fazer uma travessia de vitória à angra sem escala, ali no meio do mar, numa noite no meu turno, todos dormindo a bordo, eu tive um “insight”: - achei meu lugar no mundo, é aqui que quero viver, no mar.
Daí por diante decidi que não iria construir um barco pq ia demorar muito, eu queria tudo isso pra ontem, foi então que fiz um levantamento dos barcos que cabiam no meu orçamento e resolvi compra rum barco velho e barato,  fazer a reforma e navegar.
Um dia recebi um telefonema  quando estava em vitória, eu tinha ganho um barco de 27 pés todo quebrado e que precisava de reforma, não tive duvidas segui para Salvador de vespa, foi um aventura, dormindo na estrada em barraca, no dia que cheguei fui ver o barco, mas foi uma grande decepção,   barco tinha um rombo no costado de BB, de 3m que podia passar duas gravidas de 9 meses a mesmo todo. Fiquei um dia avaliando as condições do barco para ver se valia a pena a reforma, mas o barco era de balsa, e ai eu desisti.
Mudei outra vez de conceito de um barco para reforma, agora eu queria um barco que pelo menos flutuasse sem problemas.
Mas para achar esse barco não foi fácil, acabei viajando por todo litoral do Brasil  de vespa, em cada enseada que tinha um mastro na água eu parava e perguntava se estava a venda. Assim fiz 11 mil quilômetros de ida e volta pela costa brasileira, durante quase 8 meses, ( quando acabava o dinheiro eu parava pra trabalhar, rsrs).
Só fui encontrar o Aquarela aqui mesmo em Angra, que foi minha última parada de vespa, porque assim que comprei o Aquarela me mudei pra ele no mesmo dia.

Como é a vida a bordo? Quais as dificuldades e os prazeres de se viver a bordo? 
Depende muito, se for trabalhando, viajando ou só morando no barco numa marina, eu tenho todas essas rotinas o tempo todo. Nada de tédio!
A vida a bordo é muito simples, no sentido mais amplo da palavra, o espaço é restrito, então a vida tem que ser mais leve, simplesmente não tem como carregar ou ter um monte de coisas que juntamos ao longo da vida, mas que na realidade não serve pra muita coisa, no meu barco tenho uma regra, qualquer coisa nova que entra a bordo, deve sair outra igual em peso e tamanho. Senão  a linha d’água do barco só vai afundando.
Quando estou trabalhando, navegando fico atenta o tempo todo, nos tripulantes, no barco, na previsão do tempo, nas  ancoragens, no consumo de energia e água de bordo, resumindo  cuidando que tudo seja seguro e agradável para os hóspedes. A maior chatice a bordo ainda é a restrição de água doce, sempre economizando e controlando o consumo de água, afinal não é em todo lugar que tem como abastecer o barco, e em  muitos lugares pelo mundo temos que pagar.A liberdade é o maior prazer em se viver a bordo.

Nos conte um pouco sobre sua formação náutica. Qual sua habilitação?
Comecei a velejar tarde,  tenho um pouco mais de vinte anos de vela, minha habilitação é  capitão amador.
Trabalhei com  estaiamento e manutenção  de embarcações durante alguns anos,  hoje ainda faço trabalhos manuais como couro para a roda de leme, rede para guarda mancebo, marinharia com cabos.
Hoje trabalho somente como skipper de barcos de charter,  delivery e aulas de vela.

Quando e como começou a trabalhar como Skipper?
Em 2000 quando fui morar no mar,  comecei em regatas e depois com delivery.

Há muitas mulheres Skipper aqui no Brasil?
Tem muitas mulheres que velejam, são comandantes dos seus barcos, mas que trabalham como skipper são poucas.

Você prefere navegar sozinha ou com tripulação?
Essa pergunta é engraçada porque dos dois jeitos  eu gosto.Procuro me adaptar com o que tenho  na situação no momento, mas confesso que uma viagem  em solitário é uma paixão pra mim, muito embora atualmente é o que menos faço por causa do meu trabalho. Uma travessia com tripulação afinada, entrosada faz a viagem ficar perfeita. As pessoas depois de um tempo a bordo juntas tem um vinculo muito especial, de cumplicidade , amizade e companheirismo. 

Você prefere monocasco ou multicasco?
Eu prefiro Velejar. As vezes que velejei de multicasco eu adorei, foi um prazer incrível poder tirar a máxima velocidade que só um multicasco pode dar.
Já os monocascos são outra paixão. Eu me sinto em casa. E pra falar sinceramente gosto também dos momentos que o veleiro aderna delicadamente achando seu ponto de equilíbrio e encaixa nas ondas e navega como num balé.

Qual foi sua viagem em solitário que mais lhe marcou?
A primeira viagem,  foi a melhor de todas. Não só porque estava experimentando uma coisa nova, mas porque me sentia em harmonia com a natureza que me cercava.
As horas e horas observando as estrelas,  o mar , as ondas, todos os animais marinhos que encontrei pelo caminho, o sol, o calor, a chuva.  Você é parte de tudo isso.
E o silêncio que no mar não existe, cada ruído se comunica com você, o vento nas velas, nos estais, o marulho (que é o barulho que as ondas fazem no casco do barco), até os gemidos do barco querem dizer algo. E o melhor de tudo é poder ouvir seus próprios pensamentos.
Mas devo dizer que viajar sozinho é para poucos, é preciso gostar muito da sua própria companhia.

E sobre suas velejadas no Mediterrâneo?
Foram todas a trabalho, o que é muito diferente de quando se veleja de férias. Mas tive momentos inesquecíveis, velejando  em veleiros enormes, ou correndo regatas  em barcos que voam sobre as águas. Em lugares que  nos fazem viajar na história, que te envolve de cores intensas.

Quais seus planos de navegação?
Navegar é o que gosto, é como vivo, é onde ganho meu sustento.
Não sou de grandes planos, prefiro ver para onde o vento quer me levar.

Pensa em fazer uma circunavegação?
Querer, querer.. eu quero conhecer todas as ilhas de todos os mares.

Você planeja trocar de barco?
Não que eu não queira, nem que tenha apego ao Aquarela.Hoje ele serve para vida que eu tenho.

Qual o barco de seus sonhos?
Hallberg Rassy , um sonho mesmo!

E nas horas de folga o que gosta de fazer?
Uai,  stand up, pedalar, cozinhar, ler, escrever, nada (de nada mesmo),  passear,  conversa fiada no cockpit, fotografar, observar a natureza à minha volta, viajar, viajar  e viajar.

Qual sua percepção sobre a vela de cruzeiro no Brasil?
Desde que comecei a velejar no mar, percebo que a vela de cruzeiro cresceu muito, os barcos aumentaram de tamanho também, e tem cada vez mais gente querendo realizar esse sonho de viver a bordo. As marinas também estão se adaptando para isso.  

E quanto aos pontos de apoio aos velejadores na costa do Brasil?
Em quase toda a costa brasileira você encontra apoio à vela, nas marinas, clubes ou até de jeito improvisado por gente legal que gosta de velejar e dá apoio para quem estiver  passando, nas minhas viagens sempre tive apoio e solidariedade em todos os lugares que passei. Lógico que é muito no improviso, mas  isso faz parte a viagem, de navegar. Quem quer conforto e segurança nem sai do porto.

Você tem planos de deixar de morar a bordo?
Não, de jeito nenhum. Nunca.

 Qual seu recado para os admiradores e amantes da Navegação?
A vida de verdade só acontece quando você sai da sua zona de conforto.

Bons Ventos!





4 comentários:

  1. Belo texto.... fiquei curioso e fui dar uma olhada no Hallberg Rassy...... que lindo barco, existem muitos em nosso litoral?

    Bons ventos,
    Marcelo

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    1. É um belo barco. Eu nem conhecia, vou procurar saber se existem alguns pelo Brasil.
      Bons Ventos.

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  2. Parabéns Mucuripe, bela entrevista! Christina tem muita história para contar. Grande abraço,

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    1. Valeu, meu amigo Nelson. Quero fazer uma entrevista com você e Lúcia também, mesmo sabendo que já fizeram várias matérias a respeito de vocês.

      Grande abraço.

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